terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Rio

As águas vêm de longe,
trazem o mundo,
os montes a terra as pedras
os bichos e o pólen
as folhas e a luz
a chuva o granizo
e a sede dos homens
o rumor das noites e
dos dias
Rio vivo, quase mudo,
cheio de água
cheio de terra
cheio de tudo.


Poema de João Pedro Mésseder
in Versos com reversos
Ilustração de Suzanne Janssen

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Loas à chuva e ao vento

Chuva, porque cais?
Vento, aonde vais?
Pingue...Pingue...Pingue...
Vu... Vu... Vu....

Chuva, porque cais?
Vento, aonde vais?
Pingue... Pingue... Pingue...
Vu... Vu... Vu...

Ó vento que vais,
Vai devagarinho.
Ò chuva que cais,
Mas cai de mansinho.
Pingue... Pingue...
Vu... Vu...

Muito de mansinho
em meu coração.
Já não tenho lenha,
Nem tenho carvão...
Pingue... Pingue...
Vu... Vu...

Que canto tão frio,
Que canto tão terno,
O canto da água,
O canto de Inverno...
Pingue...

Que triste lamento,
Embora tão terno,
O canto do vento,
O canto de Inverno...
Vu...

E os pássaros cantam
E as nuvens levantam!




Poema de Matilde Rosa Araújo
in O livro da Tila
Ilustração de Catia Chien

terça-feira, 16 de outubro de 2012

A Ana quer



A Ana quer
nunca ter saído
da barriga da mãe.
Cá fora está-se bem,
mas na barriga também
era divertido.

O coração ali à mão,
os pulmões ali ao pé,
ver como a mãe é
do lado que não se vê.

O que a Ana mais quer ser
quando for grande e crescer
é ser outra vez pequena:
não ter nada que fazer
senão ser pequena e crescer
e de vez em quando nascer
e voltar a desnascer.



Poema de Manuel António Pina
in O pássaro da cabeça

Ilustração de Selda Soganci

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Rotação


Tudo gira,
Neste mundo
Tudo gira,
A lua em redor da Terra,
e a Terra em redor do sol,
E o sol em redor
Seja do que for.
E enquanto a lua gira
Em redor da terra
E a Terra em redor do sol,
E o sol em redor
Seja do que for
A lua, a Terra e o sol giram também
Em redor do eixo que têm.
Tudo gira
Neste mundo
Tudo gira
Que eu gire em redor de ti
Não me admira


Poema de Jorge de Sousa Braga
in Pó de estrelas
Ilustração de Alicia Baladan

domingo, 26 de agosto de 2012

Borboleta






Que carta leva a borboleta
às flores?
E qual será o endereço
da sua casa de Inverno?



Poema de Francisco Duarte Mangas
in O noitibó, a gralha e outros bichos
Ilustração de Eric Carle

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A garça

A garça descendo do céu
Voa leve sobre o rio
São asas de talagarça
São rede de fino fio.

Voa leve no azul
Azul do rio e do céu
E o seu voar se esgarça
Sonho branco que teceu.

E quando pisa na terra
É altiva, vertical.
É longo o colo da garça
Longo e fino sem final.



Poema de Matilde Rosa Araújo
in As fadas verdes
Ilustração de Martin Jarrie

sexta-feira, 13 de julho de 2012

O Limpa-palavras

Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.

Quase todas as palavras
precisam de ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,
é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,
outras simplesmente gastas, estafadas,
dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.

A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papeis no ar
e é preciso fechá-la na arrecadação.

No fim de tudo voltam os olhos para a luz
e vão para longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra,
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.

A palavra obrigado agradece-me.
As outras não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
e lavadas como seixos do rio:
a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.

Vão à procura de quem as queira dizer,
de mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes a mão para apanhares
a palavra barco ou a palavra amor.

Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.




Poema de Álvaro de Magalhães
in O Limpa-palavras e outros poemas
Ilustração de Paulo Galindro

quarta-feira, 6 de junho de 2012

A menina azul

 
A menina azul
é fresca como um azulejo
e tem lagos nos olhos.

A menina azul
é a fada
que pintou o céu.

A menina azul
é a água-marinha
dum anel.

A menina azul
quando se zanga
fica azul escura
e quando ri
tão clara
como um regato.

A menina azul
tem sonhos azuis
como peixes ondulantes.

A menina azul
tem sangue azul
como tinta de escrever.

A menina azul
é uma princesa de tule
que dança os tons
do azul, azul, azul...
  

Poema de Luísa Duclas Soares
in Poemas da mentira e da verdade
Ilustração de Nicoletta Ceccoli

terça-feira, 22 de maio de 2012

Gato

(eis o bicho que rouba os poemas ao cão)


O meu gato
esconde nos olhos
um misterioso
caçador de silêncios.



Poema de Francisco Duarte Mangas
in O noitibó, a gralha e outros bichos
Ilustração de Anne Herbauts

quinta-feira, 3 de maio de 2012

As ondas quebravam uma a uma











As ondas quebravam uma a uma  
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.



Poema de Sophia de Mello Breyner
in Dia do mar
Ilustração de Suzy Lee 
in Onda

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Dá dois pulos de contente

Dá dois pulos de contente,
Dá dois pulos a pular,
Dá dois pulos
Dá dois pulos
Dá dois pulos pelo ar

Pim, pim, pim, pim, pim, pim
Pim, pim, pim, pim, pim, pá
Quando a gente não se avista
Quando a gente não se avista
A gente não se avista
É a única coisa que há.

Mas pula, pula
Pula enquanto cá não estou
Antes tu pules,
Pules, pules, pules, pules,
Que sejas quem já pulou.

Pim, pim, pim, pim,
Pim, pim, pim, pá
Pula lá que quando eu vir
Também eu pularei cá.

Pula que pá
Pula que pim,
Dá dois pulos de contente,
Dá dois pulos com a gente
Que para isso é que eu vim.




Poema de Fernando Pessoa
Ilustração de Violeta Lopiz

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Alegre menina

Papoila encarnada
De seda vestida
Alegre menina
Na seara nascida

Papoila encarnada
Cabeça tão escura
Alegre menina
Que tão pouco dura

Papoila encarnada
Pezinho tão verde
Alegre menina
De vida tão breve



Poema de Matilde Rosa Araújo
in As fadas verdes
Ilustração de Linda Wolf

terça-feira, 20 de março de 2012

Canção de Leonoreta


Borboleta, borboleta,
flor do ar,
onde vais, que me não levas?
Onde vais tu, Leonoreta?

Vou ao rio, e tenho pressa,
não te ponhas no caminho.
Vou ver o jacarandá,
que já deve estar florido.

Leonoreta, Leonoreta,
que me não levas contigo...




Poema de Eugénio de Andrade
in Aquela nuvem e outras
Ilustração de Morteza Zahedi

quinta-feira, 15 de março de 2012

A íbis


A íbis, a ave do Egipto
Pousa sobre um pé
O que é
Esquisito.
É uma ave sossegada,
Porque assim não anda nada.




Poema de Fernando Pessoa
Ilustração de Simone Rea

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Todos no sofá

Estão dez amigos
todos num sofá.
Mas tão apertados
que nem cabem lá.

O rato guloso
salta do sofá.
São nove os amigos
que ainda estão lá.

O coelho manso
salta do sofá.
são oito os amigos
que ainda estão lá.

O gato tigrado
salta do sofá.
São sete os amigos
que ainda estão lá.

O pato marreco
salta do sofá.
São seis os amigos
que ainda estão lá.

O porco roncando
salta do sofá.
São cinco os amigos
que ainda estão lá.

O burro aos coices
salta do sofá.
São quatro os amigos
que ainda estão lá.

A vaca leiteira
salta do sofá.
São três os amigos
que ainda estão lá.

A alta girafa
salta do sofá.
São dois os amigos
que ainda estão lá.

O grande elefante
salta do sofá.
Já só um amigo
ainda lá está.

João Preguição
fica no sofá.
Deita-se a dormir
e não sai de lá.




Poema de Luísa Ducla Soares
in Todos no sofá
Ilustração de Violeta Lopiz

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Avó Loba


Sol de outono, sol de sono,
corre o dia mais cinzento.
Parada à beira da gruta,
Avó Loba escuta o vento
e adivinha já a neve
que cairá muito em breve.



Poema de Violeta Figueiredo
in O gato de pêlo em pé
Ilustração de Teresa Lima
in Os sete cabritinhos

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Havia um menino

Havia um menino
que tinha um chapéu
para pôr na cabeça
por causa do sol.

Em vez de um gatinho
tinha um caracol.
Tinha o caracol
dentro de um chapéu;
fazia-lhe cócegas
no alto da cabeça.

Por isso ele andava
depressa, depressa
para ver se chegava
a casa e tirava
o tal caracol
do chapéu, saindo
de lá e caindo
o tal caracol.

Mas era, afinal,
impossível tal,
nem fazia mal
nem vê-lo, nem tê-lo:
porque o caracol
era do cabelo.




Poema de Fernando Pessoa
Ilustração de Toshiyuki Fukuda

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Basta imaginar


Basta imaginar,
um pássaro para o aprisionar,
e depois imaginar o ar para o libertar
e imaginar asas para ele voar
e imaginar uma canção para ele cantar.



Poema de Manuel António Pina
in O pássaro da cabeça
Iilustração de Isabelle Arsenault

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Rifão quotidiano

Uma nêspera
Estava na cama
Deitada
Muito calada
A ver
O que acontecia

Chegou uma Velha
E disse
Olha uma nêspera
E zás comeu-a

É o que acontece
Às nêsperas
Que ficam deitadas
Caladas
A esperar
O que acontece.



Poema de Mário Henrique Leiria
in Novos contos do gin
Ilustração de Morteza Zahedi

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Melro


Monge solitário.
Na primavera
desafia as chuvas
escondido na brancura
das cerejeiras.



poema de Francisco Duarte Mangas
in O noitibó, a gralha e outros bichos


ilustração de Anne Herbauts
in Les moindres petites choses

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O voo dele

Ele queria voar.
Como?
Ainda não sabia.
Não tinha asas
mas acreditava
poder levantar voo
e preparava
esse aguardado dia.

Ele era pesado,
comprido
e entroncado.
Mesmo assim,
conseguiu, certa vez,
subir e trepar
para o telhado.

Atirou-se
mas teve o cuidado
de espalhar colchões
por todo o lado.
Imitou as aves,
esbracejou, planou,
fechou os olhos
e não é que voou!

Voou na sua imaginação
voou na sua emoção
voou do telhado até ao chão.
E em cima do colchão
continuou de olhos fechados
a flutuar
com os braços
a abanar no ar.



poema de Ana Ramalhete

ilustração de Pablo Auladell

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Ladainha da aranha

Aranha, anha,
Tão muda e mole:
Teu fio de Lua
Soluça ao Sol.

Aranha, anha,
Que ninguém ama:
Teu fio de Lua
É a tua cama.

Aranha, anha,
De noite e dia
Teu fio de Lua
Ninguém o fia.

Aranha, anha,
Que o mundo mata:
Teu fio de lua
Ninguém desata.



poema de Matilde Rosa Araújo
in O livro da Tila


ilustração de Eric Carle

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O gato de pêlo em pé


Chegou vagabundo à borda
do poço e bem lá no fundo
nos lampejos da água turva

viu as suas sete vidas
reflectidas.



poema de Violeta Figueiredo
in O gato de pêlo em pé

ilustração de Teresa Lima
in Cá de cima lá de baixo

sábado, 7 de janeiro de 2012

Sul


Indicas-me sempre
os caminhos do mar.

Ensina-me, sol,
os caminhos do sul.




poema de João Pedro Mésseder e
Francisco Duarte Mangas

in Breviário do sol

ilustração de Jjimmy Liao

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Canção infantil

Era um amieiro.
Depois uma azenha.
E junto
um ribeiro.

Tudo tão parado.
Que devia fazer?
Meti tudo no bolso
para os não perder.



poema de Eugénio de Andrade

ilustração de Elena Odriozola